Dia 1 (Seg) – 8 de abril de 2019
Conferência de abertura:
Por uma biografia da realeza
Professora Titular Dra. Lynette Mitchell (Exeter)
Na Antiguidade havia um número de biografias dos reis antigos. Os protótipos utilizados para elas parecem ser derivados das pseudoautobiografias do Oriente Próximo, que circularam pelo mundo grego a partir do século 5. Apesar disto, os gregos (e os romanos) já se interessavam desde pelo menos o tempo do épico homérico por “grandes homens” e líderes carismáticos, naquilo que os tornava grandes e no que poderia dar errado. No mundo grego isto resultou em diversos estudos sobre liderança e reinado; em Roma, especialmente sob o principado, em histórias e biografias de regentes, que examinavam o que era a vida sob o domínio de um rei. Entretanto, como é largamente reconhecido, a biografia como gênero é geralmente pouco teorizada. Este trabalho, examinando de maneira ampla desde o terceiro milênio AC até o primeiro milênio DC, argumentará que o gênero biografia dos reis nos ajuda a compreender a teorização do reinado no mundo antigo tanto quanto as vidas dos reis individualmente, se não mais. Deste modo, as biografias dos reis da Antiguidade nos levam, de fato a uma biografia do reinado na Antiguidade.
Mesa-redonda 1
Emissões monetárias sículas na Sicília centro-ocidental e Ducetius (séc. V a.C.)
Professora Titular Dra. Maria Beatriz Borba Florenzano (labeca/MAE/USP)
De acordo com as fontes textuais – sobretudo Diodoro Siculo – a Sicília centro-ocidental foi palco de grandes conflitos político-territoriais em meados do século V a.C. em boa parte devido às investidas do líder sículo Ducetius. Por outro lado, os catálogos numismáticos registram no mesmo período uma profusão de emissões monetárias em nome de pequenos centros sículos, interioranos. Será possível estabelecer uma relação entre as ações de Ducetius e estas cunhagens?
É o que pretendemos abordar nesta apresentação.
Pégaso no imaginário de Corinto Arcaica
Prof. Dr. Alexandre Carneiro (NEREIDA/UFF)
A comunicação tem como objetivo mapear as representações de cavalos em diversos artefatos confeccionados pelos artesãos domiciliados no Istmo de Corinto. A representação de Pégaso nas moedas merece um maior destaque, pois remete ao mito de Belerofonte, ao herói “pátrio” e identitário da pólis. Assim sendo, as ideias de movimento, agilidade e pertencimento ao território do Istmo estão presentes no imaginário coríntio acerca dos equinos.
Zeus como expressão de poder e soberania em moedas gregas em época arcaica e clássica
Profa. Dra. Lillian Laky (pós-doutoranda LEIR-MA/FFLCH/USP)
Ao longo da época arcaica e clássica (nos séculos VI e V a.C.), Zeus foi uma divindade muito requisitada por reis e também tiranos, que compararam o seu poder ao desse deus sobretudo na construção dos maiores templos dóricos, a ele dedicados nesses dois períodos, em diversas áreas do mundo grego. Diferente do que ocorre no caso dos santuários e templos, na imagem monetária, Zeus, como expressão de soberania e realeza, foi raramente associado a nomes de reis em emissões ao menos até meados do século IV a.C., quando o rei Felipe II da Macedônia bateu tipos monetários com o deus junto ao nome do rei macedônio como inscrição.
A partir de uma pesquisa minuciosa de todos os tipos monetários de Zeus e seus atributos emitidos em época arcaica e clássica, e do exame das legendas, mostraremos as autoridades emissoras que mais se vincularam às imagens do deus nessas épocas. É nossa intenção mostrar que, muito antes da ascensão das monarquias helenísticas (quando a divindade se consolidou como expressão e emblema dos poderes desses reis em moedas), as imagens da divindade foram apropriadas pela pólis e tiveram significado para a esfera política da cidade, predominando a legenda com o nome da comunidade política e não o nome do rei que controlava algumas delas nessas duas épocas em certas regiões do mundo grego.
Dia 2 (Ter) – 9 de abril de 2019
Conferência (manhã):
Cunhagens e Reis no final da Idade do Ferro na Bretanha
Dr.Philip de Jersey (Guernsey Museum)
Entre meados do primeiro século AC e a Conquista Romana de 43 DC, mais de mil tipos diferentes de moedas foram cunhadas no sul da Britânia. Algumas destas moedas foram evidentemente cunhadas por reis bem conhecidos dos historiadores, particularmente no sudeste do país: elas carregam nomes de reis como Verica e Cunobelino, também registrados em textos clássicos. Muitos outros, entretanto, não possuem inscrições e as identidades daqueles que as cunharam permanece desconhecida. Este é, em particular, o caso das fases mais antigas de desenvolvimento, que vai de aproximadamente 60 AC até os últimos nos daquele século.
Nosso conhecimento das moedas deste período foi revolucionado nos últimos anos pela vasta quantidade de novos achados, quase todos eles feitos através de detectores de metal. Se esta é ou não vista como uma fonte desejável de nova informação, ela tem fornecido um corpus substancial de material para os arqueólogos e numismatas estudarem. Nesta conferência, o foco será na fase inicial das cunhagens britânicas, no primeiro século AC, examinando como a produção de moedas se modificou durante este período e averiguando se podemos identificar o status daqueles que as cunharam.
Conferência (tarde):
Escrevendo biografia a partir de cunhagem: Os reis Selêucidas
Dr. Kyle Erickson (University of Wales, Trinity Saint-David)
Apesar de pouco teorizado como gênero, a biografia dos reis era muito presente na Antiguidade. Apesar da grande quantidade de material biográfico selêucida que sobreviveu, nenhuma biografia de um rei selêucida sobreviveu até nossos dias. As pesquisas atuais fazem uso da biografia como um modo efetivo de discutir reinado helenístico antigo, incluindo diversas biografias modernas dos reis selêucidas, principalmente as de Seleukos I (Mehl 1986 e Grainger 1990) e Antiochos IV (Mørkholm 1966 e Mittag 2006). Estas biografias, principalmente as de Antiochos IV, baseiam-se fortemente em numismática para a compreensão das ações do rei. Este trabalho questiona até onde podemos utilizar o desenvolvimento e padronização da iconografia selêucida para escrever a biografia de um determinado rei; em vez disso, os detalhes aparentemente biográficos que emergem das moedas podem ser partes de um grande programa ideológico da dinastia, mesmo que reflitam eventos reais.
Mesa-redonda 2
A iconografia monetária a serviço do empoderamento: a dinastia massila norte-africana entre imagem e legenda
Profa. Dra. Maria Cristina Kormikiari (labeca/MAE/USP)
Entre o final do século III a.C. e o início do século I a.C., uma família agnatícia númida, dos massilos, estendeu seu poder e domínios por uma larga porção do Norte da África, entre as atuais Argélia e Líbia. Denominados reis por autores gregos e latinos, o caráter do poder e da chefia desses cavaleiros berberes escapa nossa conceituação ocidentalizada e deve ser entendida na chave dos reis feiticeiros da África saariana, como bem colocou Gabriel Camps em seus estudos. Os principais documentos primários que dispomos sobre esses reis são numismáticos, epigráficos e materiais da esfera da morte (mausoléus), além, é claro, da mencionada documentação textual grega e latina (a qual deve ser analisada sob o prisma de seus aspectos tendenciosos).
Nos propomos, nessa apresentação, a partir da iconografia monetária dos reis númidas, e com o adendo da documentação epigráfica e material, analisar o discurso projetado por esse grupo tão específico e nos perguntar a quem teria sido dirigido, aos invasores estrangeiros ou à população púnica-berbere local.
RTI para biografias pessoais e materiais? O caso de uma moeda romana entre os Durotriges
Profa. Dra. Adriene Baron Tacla (NEREIDA/UFF)
Moedas são meios de comunicação visual. Desde o trabalho de A. Gell, tem-se avançado na compreensão do agenciamento de artefatos e imagens na vivência social. Então, no que toca à iconografia monetária, como podemos avançar para melhor compreender essa ação? Tomando por base a aplicação da técnica de Reflectance Transformation Imaging (RTI) à moeda encontrada no enterramento de Langton Herring, essa comunicação visa discutir a performance de imagens monetárias e sua apropriação para a construção de personalidade e poder no final da Idade do Ferro e período pré-romano entre os Durotriges.
Sobre o uso da moeda, sua circulação e o seu entesouramento: considerações sobre a crise financeira de 33 d.C.
Prof. Dr. Deivid Gaia (LHIA/UFRJ)
O objetivo deste trabalho é apresentar algumas considerações sobre o uso da moeda no início do Império Romano, tendo como foco as relações estabelecidas entre cunhagem, circulação, entesouramento e crise financeira. Para tanto, será tomado como exemplo o estudo de caso referente à crise financeira de 33 d.C. (crise de inopia nummorum), durante o principado de Tibério, cuja causa principal foi a rarefação da circulação monetária na cidade de Roma. Dessa forma, o estudo da crise de 33 d.C. será de primordial interesse para se refletir sobre o papel econômico da moeda e da sua viva circulação para o funcionamento saudável das Instituições romanas.
Dia 3 (Qua) – 10 de Abril 2019
Workshop (manhã):
Cunhagem na Armórica da Idade do Ferro: mudança completa?
Dr. Philip de Jersey (Guernsey Museum)
Em junho de 2012, o maior tesouro conhecido de moedas da Idade do Ferro foi descoberto em um campo em Jersey, nas Ilhas do Canal. Este tesouro consiste de quase 70.000 moedas, além de outros objetos como torques em ouro e outras peças de joalheria em ouro e prata, e deve alterar de forma fundamental nosso conhecimento a respeito da cunhagem na Armórica, a região que se estende, grosso modo, entre os rios Sena e Loire, no noroeste da França. Apesar da parte maior do tesouro consistir de cunhagens bem conhecidas, dentro dele existem mais de 15.000 tipos de moedas que eram antes desconhecidos. O grande tamanho do tesouro apresenta, em si, alguns problemas: como se estuda uma quantidade tão grande de moedas?
Neste workshop vamos ponderar a respeito de diversos temas que surgiram do estudo preliminar do tesouro de 2012 de Jersey, tanto no seu contexto insular quanto numa esfera Armórica maior. Também enfocaremos o processo de manufatura, detalhes úteis que foram revelados por muitas das moedas do tesouro.
Conferência de encerramento (tarde):
Encarando o mundo helenístico
Professor Titular Andrew Meadows (New College, Oxford)
Este trabalho examinará a rota de desenvolvimento do uso do rosto em cunhagem. Veremos a transição do genérico para o específico na área de cunhagem real no mundo helenístico. Nele sugeriremos que isto ocorre, num grau significativo, como resultado do desenvolvimento do reinado carismático no período helenístico. Será argumentado que isto teve profundo impacto também na cunhagem da cidade antiga e nos novos regentes do leste grego, os romanos.
Mesa-redonda 3
A Representação da Concórdia nos Governos de Septímio Severo e Caracala: Investigando os Suportes Numismáticos
Profa. Dra. Ana Teresa Marques Gonçalves (UFG)
Uma das legendas monetárias mais comuns nas moedas cunhadas, tanto no Ocidente quanto no Oriente, durante os governos dos Imperadores Romanos Septímio Severo e Caracala, foi a referente à Concórdia. Entretanto, pouca concórdia se viu na prática entre Septímio e seus filhos e herdeiros e mesmo entre os dois irmãos Geta e Caracala. Assim, propomo-nos a analisar a importância da divulgação da ideia de Concórdia, em conjunto com as de Abundância e Fides, no interior do imaginário político romano, por meio da documentação numismática.
Calígula nas moedas da Palestina romana: entre o poder, propaganda, e fricção com a população judaica
Prof. Dr. Vagner Porto (LARP/USP)
Esta apresentação tem o intuito de trazer para o debate aspectos ligados ao poder e a propaganda do governo de Calígula presente nas moedas locais batidas na Siro-palestina sob seu governo. Calígula foi retratado em moedas emitidas em diversas cidades da região, assim como moedas que retratam sua família. Procuraremos abordar aspectos ligados ao culto imperial, ao status de amizade entre Herodes Agripa e Calígula e a conexão entre propaganda e clientelismo. Atritos com a população judaica serão observados, assim como aspectos da esfera sagrada e profana também deverão ser abordados nesta apresentação. Nossa abordagem procurará enfatizar o caráter interdisciplinar da numismática cruzando as informações provenientes da documentação textual da época, principalmente os relatos de Flavio Josefo, a documentação numismática e outros suportes matérias como a estatuária.
Os reis de Roma e a iconografia numismática republicana
Profa. Dra. Gisele Ayres (NERO/UNIRIO)
Segundo a tradição que circulava em Roma Republicana, a cidade havia sido governada em seus primeiros tempos por reis. A Arqueologia corrobora essa informação, mas, devido principalmente à escassez da documentação, nosso conhecimento sobre o período contém muitas lacunas. Ainda em Roma Republicana, a partir da segunda metade do século II, a iconografia numismática passa a apresentar um novo padrão, com referências frequentes aos antepassados e a temas ligados ao cotidiano e a vida pública dos romanos. Algumas das moedas cunhadas a partir desse momento trazem representações dos antigos reis de Roma.
Ao emitirem essas peças os romanos dos séculos II e I da República não só fixaram parte de seu passado através de imagens, mas também lhe atribuíram novos significados de acordo com as demandas do momento das cunhagens. Não raro, as representações dos soberanos surgem acompanhadas por símbolos e objetos e a leitura desses elementos em conjunto abre importantes possibilidades para a interpretação do discurso numismático. Por todos os aspectos citados e também por serem registros sobre um período pouco registrado da história romana, os usos de tecnologia 3D para a investigação dessas imagens surge como uma alternativa particularmente útil. O presente trabalho tem como proposta trazer à reflexão estas questões e seus impactos para a pesquisa e o ensino da História Antiga.